sexta-feira, 6 de julho de 2012

Tom's Restaurant

Uma viagem a New York sempre é recheada de visitas a lugares icônicos: a Estátua da Liberdade é certamente a mais famosa; mas tem o Empire State Building, onde o King Kong morreu; a ponte do Brooklin, de onde o Duende jogou a Gwen; e inúmeros outros exemplos. Mas poucos lugares são tão icônicos quanto o Tom's Restaurant:


O Tom's Restaurant fica na esquina da Broadway com a 112, uma ótima desculpa para conhecer a parte de Manhattan que fica ao norte do Central Park:



Visualizar Tom's Restaurant em um mapa maior


E por que ele é tão icônico assim? É porque poucos lugares tem tamanha quantidade de trivia por metro quadrado! Só de ver a foto você já deve ter reconhecido a primeira delas: o Tom's Restaurant é o lugar onde gravavam as externas do Seinfeld:


Além disso, o Tom's Restaurant era o lugar onde a Suzanne Vega costumava escrever as suas músicas, e acabou sendo homenageado no hit dos anos 80, Tom's Diner. A versão que fez sucesso no Brasil era um remix feito pela banda DNA:




Já a versão original da música não tinha nenhum acompanhamento, era totalmente a capella:



O que pouca gente sabe é que essa versão original do Tom's Diner foi o primeiro mp3! O padrão mp3 foi desenvolvido pelo Fraunhofer Institute, e os engenheiros de lá sabiam que a parte mais difícil do codec seria garantir que a voz humana passasse sem nenhuma distorção (já que humanos são muito, muito bons em detectar distorção em vozes). Por isso, eles usavam a versão a capella do Tom's Diner para calibrar o modelo psicoacústico do codec.

Mas a conexão mais inusitada do Tom's Restaurant é com a origem dos buracos negros. O termo "buraco negro" foi criado pelo John Wheeler (que também era orientador do Feynman), e a primeira vez que ele o usou foi numa palestra no Goddard Institute for Space Studies da NASA. E olha só, esse instituto fica exatamente no mesmo prédio do Tom's Restaurant! O restaurante fica no térreo, e os cientistas ficam no último andar.

Com tamanha quantidade de curiosidades, é claro que eu fui visitar né! Se fosse no Brasil, ele seria o Boteco do Tom: a especialidade são as porções de coisas gordurosas. Eu recomendo os muzzarela sticks, achei bem gostosos!


domingo, 24 de junho de 2012

As Catacumbas de Paris

Na década de 80 um programa que fazia muito sucesso era o Acredite se Quiser, apresentado pelo Jack Palance. Ele viajava ao redor do mundo apresentando "o Estranho, o Bizarro, e o Inesperado", que ia desde gorilas albinos até a vida em gravidade zero no Skylab. Naturalmente, era um dos meu programas prediletos!



Ou, se você for jovem, talvez lembre do Jaca Paladium.

Um episódio que me marcou muito foi quando ele falava que debaixo de Paris, a Cidade das Luzes, havia a sua contraparte sinistra: a Cidade da Escuridão. Longos corredores subterrâneos contendo esqueletos, caveiras e todo tipo de restos mortais, de uma época em que os cemitérios da cidade tinham lotado, e os mortos eram largados em corredores abandonados de mineração.

Para uma criança que cresceu assistindo Goonies, qualquer menção de cavernas com caveiras é um delírio né? Sabendo que um lugar assim existia de verdade, eu decidi que tinha que visitar isso um dia. E quando fui a Paris pela primeira vez, duas décadas depois, esse foi o meu passeio predileto!

Para entrar nas Catacumbas, você precisa descer na estação Denfert-Rochereau. Tome o cuidado colocar casacos que sejam fáceis de tirar, lá embaixo não tem ar condicionado e é bastante quente:



Visualizar Catacombs of Paris em um mapa maior

Antes de chegar nas Catacumbas propriamente ditas, você precisa passar por um corredor enorme, estreito e sem iluminação. A parte bacana é que os guardinhas só deixam entrar uma pessoa por vez, em intervalos de 5 minutos. Por isso, todo o caminho inicial você vai fazer sozinho, o que ajuda a entrar no clima:

O corredorzinho estreito

A entrada da Catacumba começa em um grande portal de pedra, com a inscrição "Arrete: c'est ici l'empire de la mort" (Pare! Começa aqui o império da morte). Não que faça muita diferença, não tem como voltar, então se você se arrependeu aqui, dançou.

O portal de entrada

A parte surpreendente é que o local é bonito! Não são um monte de ossos jogados, pelo contrário, eles ficam ajeitados em formações harmoniosas. E não tem nenhuma grade de proteção, você pode encostar nas caveiras se quiser (tem até quem roube ossos para levar para casa: não faça isso, na saída os guardinhas inspecionam sua mochila e te levam em cana se acharem algo).

Eu e parisienses mortos

Se você for sozinho como eu, tirar fotos pode ser um problema. Na falta de lugar para apoiar a câmera, eu deixava ela no automático em cima das caveiras mesmo.

Caveira simpática

No total, são 2km de corredores pelos subterrâneos de Paris. A saída fica próxima da estação Alésia, de lá você pode continuar para passeios menos legais como o Louvre e a Torre Eiffel.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Ilusão da Porta

Quando eu estava escolhendo os lugares que queria visitar no Japão, o Daibutsuden não me impressionou muito. No livro estava escrito que era a maior construção em madeira do mundo, mas pela foto parecia pequeno. Estimando pelo tamanho da porta, quanto você acha que ele tem de altura?


Uns quatro ou cinco andares né? Porém, o templo é bem maior do que parece! O problema é um tipo de dissociação cognitiva, você vê aquela coisa que parece uma porta, assume que é uma porta, e estima que deve ter altura de porta. Mas olhando de perto, não é uma porta, é um portão gigante!


Na verdade o templo tem 47 metros (estimando um andar de 3.5m, seria o equivalente a um prédio de 13 andares). E não tem como enganar o cérebro: mesmo tendo visto pessoalmente que era enorme, eu ainda olho a foto e acho que é pequeno.

O mesmo efeito acontece no Taj Mahal. Olhando pelo tamanho da porta, ele parece ter poucos andares de altura:


Mas ampliando no zoom dá pra ter noção da escala, os turistas são aquelas pequenas coisinhas coloridas lá embaixo:


O Taj Mahal tem 65m de altura, equivalente a um prédio de 18 andares. Nas laterais do portão principal, tem vários trechos do Alcorão escrito em caligrafia Thuluth. Os Mughals que construíram o Taj eram excelentes geômetras e sabiam das ilusões de ótica envolvidas, por isso eles usaram uma fonte pequena na base, e aumentaram o tamanho da fonte com a altura. Assim, para o visitante que está no chão, as letras parecem ter a mesma altura.

Outro lugar com tamanho enganador é o Castelo da Cinderela na Disneyworld:


Aqui o efeito é inverso, olhando as torres pela foto o castelo parece imenso, mas na verdade é pequenino! São 58m de altura, menor que o Taj Mahal. Os Imagineers da Disney também são mestres da ilusão: as dimensões do castelo vão diminuindo com a altura, para dar a impressão de que é maior do que parece. As janelas no alto das torres tem só a metade da altura das janelas mais baixas!

Por causa de efeitos como esses que ainda não tem Street View que suplante a experiência de conhecer tudo ao vivo. :)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Jornada ao Monte Fuji

Tendo a opção de escolha, eu sempre acho mais divertida uma viagem sem guia do que uma viagem com guia. Você acaba aproveitando muito mais o passeio fazendo seu próprio trajeto, ao invés de seguir o caminho padronizado que os guias indicam. Na verdade, eu nem gosto de planejar demais um passeio. Às vezes os melhores lugares para visitar não estão nos mapas, e você só aprende conversando com os nativos do local.

Por outro lado, o meu estilo de planejamento mínimo às vezes dá errado. Na hora foi meio tenso, mas em retrospecto a história é engraçada :)

Kyoto - Hiroshima - Monte Fuji

A nossa viagem de Kyoto a Hiroshima foi super tranqüila. Fomos de trem-bala, fazendo 300km em menos de duas horas (o caminho azul no mapa). O ponto seguinte da viagem era o Monte Fuji, distante 600km (caminho vermelho). Fazendo a conta rápida, estimei que iria demorar umas 4h, então era só pegar o trem-bala às 18h, descer no Monte Fuji às 22h, e descansar o resto da noite no hotel.

Pois bem, eu cheguei às 18h no balcão de informações para perguntar qual trem-bala eu deveria pegar. Em japonês, é claro. Nem no balcão de informações eles falam inglês por lá. Quando eu falei qual era o destino, o atendente me olhou com uma cara confusa, pegou um livrão enorme para procurar o trajeto, e depois de vários minutos me falou o imprevisto número 1: "Olha, não tem trem-bala até o Monte Fuji não, você tem que passar reto até Tokyo, e de lá voltar um pouco de trem normal".

Hiroshima - Tokyo - Monte Fuji

Oops! Refazendo as contas. Até Tokyo são 5h de trem-bala. Assumindo que o trem normal tem metade da velocidade do trem-bala, então pra voltar o trechinho que iríamos passar reto são 2h. Saindo de Hiroshima às 18h, eu estaria chegando no Monte Fuji às 18h+5h+2h = uma da manhã. Mas os trens no Japão param de circular à meia-noite, então estávamos correndo o sério risco de parar no meio do caminho em alguma cidade desconhecida!

Hora de correr então! Para comprar o ingresso do trem-bala eu precisava antes tirar dinheiro numa ATM, mas não contava com o imprevisto número 2: as máquinas das estação só aceitavam cartões japoneses! A única ATM que aceitava Visa ficava na agência do correio a dois quarteirões dali. Então lá vai Ricbit até os correios, debaixo de chuva, enquanto a Ila tomava conta das malas lá na estação.

Com o dinheiro em mãos, percebi o imprevisto número 3: se a viagem iria tomar a noite toda, então não teríamos tempo de jantar! A solução foi comprar uma lanche rápido no McDonalds, assim poderíamos ir comendo no caminho.

Pelo menos os sanduíches são iguais aos nossos

Mas foi só depois que nós embarcamos no trem-bala que eu notei o imprevisto número 4. Existem três tipos de vagão no trem-bala: o vagão verde, que é luxuoso e bem caro, o vagão normal, com cadeiras reservadas, e o vagão comum, mais barato, onde você senta onde tiver espaço. Como eu sou mão-de-vaca econômico, comprei o mais barato... e só lá dentro eu percebi que no mais barato não tinha lugar para colocar as malas!

A essa altura o trem já estava em movimento, e enquanto a Ila segurava as malas no corredor, eu tentei achar algum funcionário para ver se tinha como fazer upgrade do bilhete. Acabei achando um bilheteiro, e expliquei a situação pra ele, em japonês (naturalmente, ele não falava inglês). No fim ele ligou para a central e conseguiu fazer o upgrade pra gente. Mas eu posso jurar que no meio da ligação ele usou a expressão gaijin baka.

Depois das 5h previstas, acabamos chegando em Tokyo. Agora era só uma questão de achar o trem que voltava para o Monte Fuji. Mas aí surgiu o imprevisto número 5: quando você está na pressa, pode não ser muito fácil tentar entender o mapa do metrô de Tokyo:

Clique pra ampliar e sentir o drama

Já passava das 22h, nosso medo era passar da meia-noite e os trens pararem. Mas depois de sofrer um pouco pra entender o mapa, consegui bolar um plano. Descobri que tinha um trem expresso que não parava em todas as estações, então poderíamos ganhar algum tempo pegando esse trem.

Estávamos até aliviados, mas aí surgiu o imprevisto número 6: o trem expresso parou na estação Takao, e o maquinista informou que o expresso ia só até ali, quem quisesse continuar tinha que descer e pegar outro trem! O jeito foi descer e esperar o trem normal passar, lembrando que a temperatura estava próxima de zero e batia um vento gelado de doer os ossos!

Acabamos entrando no último trem que saía da estação, torcendo muito para que desse pra chegar no destino antes da meia-noite. Já estava tudo meio deserto, dentro do vagão tinha só a gente e uns poucos tiozinhos que voltavam do trabalho:

Pelo menos ele dormia sem medo de roubarem a pasta dele

Mas esse trem era o pinga-pinga, parava em todas as estações. Como ele perdia muito tempo com as paradas, acabou acontecendo o imprevisto número 7: deu meia-noite, o trem parou e todo mundo teve que descer (eles realmente levam a sério os horários por lá).

Reality check: estávamos sozinhos numa cidade desconhecida, morrendo de frio, e apenas com um BigMac na barriga. A solução foi apelar: já que não tinha mais trem, então faríamos o resto do trajeto de táxi!

Felizmente tinha um ponto de táxi perto da estação, e eu perguntei quanto custaria para ele levar a gente até nosso hotel no Monte Fuji. A resposta foi o imprevisto número 8: ele disse que custava mais ou menos "shiman yen", ou seja, 40000 yen, que é algo próximo de mil reais! Melhor doer no bolso que dormir na rua né? Então lá vamos nós viajar de táxi pelas estradas do interior do Japão.

Trem expresso (azul), Pinga-pinga (vermelho), Táxi (roxo)

Quando finalmente chegamos no hotel, um alívio: eu tinha entendido errado o taxista, ele não tinha dito "shiman yen", mas sim "ichiman yen" (10000 yen, ou seja, 250 reais). Ainda era caro, mas pelo menos não foi o absurdo que eu achei que seria. Até fazer o check-in, acabou que nós só deitamos na cama por volta das duas da manhã.

Moral da história: viajar sem guia sempre é sempre mais emocionante. :)

quarta-feira, 14 de março de 2012

Evangelion World

A primeira vez que assisti Evangelion foi por volta de 1997, na época de ouro dos fansubs brasileiros. Eu comprei a série pelo correio, e foram várias semanas até chegar a caixinha com os episódios gravados em VHS pirata. Desnecessário dizer que foi vício instantâneo!

Até hoje a série faz sucesso, e nos últimos anos teve um revival por causa do remake em HD que está sendo lançado em forma de filmes. O anime ainda é popular o suficiente patra justificar a existência de um parque temático no Japão, e estando lá é claro que não poderíamos deixar de visitá-lo :)

Entrada do Evangelion World

O Evangelion World fica na cidade de Fujiyoshida, bem no sopé do Monte Fuji. Não tem nenhum trem bala que siga direto para Fujiyoshida, então a maneira que eu recomendo para chegar lá é pegar o ônibus direto que parte da estação Shinjuku, em Tokyo (1h30 de viagem, mais ou menos, mas a vista no caminho é linda).

Logo na primeira sala, já tinha um modelo lindão do EVA-01, ele devia ter mais ou menos um metro de altura:


A sala seguinte era a sala de reuniões do Gendo Ikari, completa inclusive com os monolitos sound-only da Seele. Como a iluminação era super bem feita, dava pra tirar uma foto igual à do anime!



Para quem não lembra, o original é assim:


Em seguida, um modelo da Mari, a nova criança que aparece no filme mais recente. Note que não é uma miniatura, ela está em tamanho real, escala 1:1 mesmo!


Na mesma sala tinha o Kaworu em escala 1:1, que eu fiz questão de dar porrada. A verdade que é que eu queria tirar uma foto dando porrada no Shinji, mas ele é tão impopular que nem tem modelo 1:1 dele por lá :)


Logo adiante, um modelo 1:1 do entry plug do EVA-02. A Ila fez questão de ir de vermelho e de comprar uns ear plugs para ficar mais parecida com a Asuka :)


Na sala que tem o entry plug do EVA-02 também tinha uma Asuka em escala 1:1.


Continuando, uma surpresa! O EVA-02 em estado berserk saindo pela parede, em tamanho natural!


Dali em diante você segue por dentro dos corredores da NERV, onde eles recriaram algumas cenas clássicas dos episódios.


Eu sempre achei essa aqui a cena mais angustiante da série inteira:


O Kaji sempre atrás da mulherada:


Nesse corredor tinha só uma porta com um olho mágico. Curioso, fui ver do que se tratava:


Ahá! Era a Ritsuko cuidando da Rei!


Na sequência, o ponto alto do passeio: o EVA-01 em escala 1:1, mergulhado no LCL, exatamente como aparece pela primeira vez no anime.


A cada 15 minutos a Misato tenta conectar o Dummy System no EVA-01 e ele fica doidão:



Depois da apresentação do EVA-01, você entra numa sala cheia de desenhos de produção dos filmes novos. Entre outras coisas divertidas, tinha o walkman que usaram como modelo para o radinho que o Shinji sempre está ouvindo:


Model sheets da Asuka de mini saia, pijama e biquíni:


E também um curioso model sheet da bunda da Asuka:


Na sala final tinha dois painéis para você tirar fotos, o primeiro é da Lilith:


O segundo é um painel semi-transparente onde você pode romper o AT-Field!


Naturalmente, na saída tem a indefectível lojinha onde você pode comprar de tudo:


E note que é de tudo mesmo, até travesseiro gigante da Asuka e da Rei, sucesso entre os japoneses carentes:


Por fim a Ila, que entrou no parque vestida de Asuka, acabou comprando os óculos da Mari e até prendeu o cabelo como ela :)


Mas a experiência Evangelion não termina aqui! Por 500 dólares você pode passar uma noite no hotel do Evangelion, onde você dorme dentro de um entry plug acompanhado de um modelo 1:1 da Rei! É meio caro, mas em geral hospedagem no Japão é cara mesmo, ainda mais para quartos como esse, que tem vista para o Monte Fuji.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O Japão Reconstruído

Antes de pousar em Osaka, eu conferi na wikitravel quais eram os passeios divertidos na cidade. A opinião unânime era de que o passeio mais memorável era no Castelo de Osaka, mas eu não queria ir pra lá. Eu sabia que esse castelo tinha sido destruído durante um bombardeio americano na segunda guerra, e o castelo atual era só uma reconstrução. Melhor gastar o tempo no Japão com castelos originais né?

Em retrospecto, agora eu vejo que isso foi um erro. Não é apenas o Castelo de Osaka que é uma reprodução, praticamente tudo que você for visitar no Japão foi reconstruído em algum ponto. O motivo é claro: dada a propensão a terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas e guerras com vizinhos, nada dura no Japão por muito tempo.

Mas, de longe, o maior vilão dos monumentos japoneses é o incêndio. Boa parte das reconstruções foram devidas a um incêndio. Isso é fácil de explicar se você prestar atenção num monumento típico japonês, como as onipresentes pagodas:


Convenhamos, se você vai fazer um monumento pontudo, apontando para o céu, e com material inflamável, não tem como reclamar de incêndio né? Quando o Tokugawa fechou o Japão para o exterior, ele também impediu a entrada da ciência ocidental que se desenvolvia. Aí, enquanto os japoneses brigavam com espadinha, do outro lado do Pacífico o Franklin inventava o pára-raios, que teria salvo muitos monumentos japoneses.

Só para dar um exemplo de quantos monumentos japoneses passaram por apuros, fiz uma lista com alguns dos que visitei:

O Castelo de Nijo


O Castelo de Nijo teve a construção iniciada em 1601 por ordem do próprio Tokugawa. Em 1750 ele foi destruído num incêndio causado por um raio, e poucos anos depois, em 1788, foi destruído novamente em um incêndio que queimou quase toda a cidade.

O Templo de Toji


Erigido no ano de 796, o templo de Toji foi onde surgiu inicialmente o Budismo Shingon. No século 16, incêndios e guerras destruíram a maior parte do complexo, e o Kondo, o prédio principal da foto, só foi reconstruído em 1603.

O Templo de Todaiji


Criado no ano de 742, o complexo de Todaiji possuía originalmente duas enormes pagodas de 100m de altura, que caíram num terremoto. O Daibutsuden, prédio principal do complexo e também o maior prédio em madeira do mundo, era originalmente ainda maior. Depois que dois incêndios destruíram o prédio original, ele foi reconstruído com 30% a menos de altura.

O Daibutsu


A estátua gigante de bronze do Buda Vairocana, dentro do Daibutsuden, literalmente perdeu a cabeça durante um terremoto. Vendo de perto dá pra ver claramente que a cabeça não foi feita na mesma época que o corpo.

A Estátua de Hachiko


A estátua do lendário cão Hachiko, que toda noite esperava o dono voltar na estação de trem, mesmo nove anos depois dele morrer, foi uma vítima dos esforços da segunda guerra, onde todo o metal disponível foi derretido para virar armas. A estátua atual foi criada depois da guerra, pelo filho do escultor original.

Hiroshima


De longe a maior reconstrução do Japão, a cidade foi completamente pulverizada pela bomba atômica do fim da segunda guerra, e hoje em dia é uma metropóle imensa.

Depois de ver todos esses exemplos, você pode se perguntar: vale a pena ir ao Japão se tudo o que você vai ver são réplicas? A resposta é que se você está pensando assim, não absorveu o espírito japonês ainda.

No Japão, os monumentos são como rios: certamente nenhuma gota de água ou pedrinha no leito do Rio Amazonas está lá desde a época da colônia, mas ainda assim nós falamos que é o mesmo rio, desde o descobrimento. Da mesma maneira, pode ser não ser o mesmo toco de madeira que está lá no templo desde a sua construção, mas para os japoneses ele ainda é o mesmo templo.

sábado, 3 de março de 2012

A semiótica da Pokébola

Uma das melhores coisas de viajar é que você passa a entender melhor o mundo. Por mais que você estude livros sobre uma cultura, sempre vai ter um detalhezinho que o escritor achou que não precisava colocar, porque era óbvio. Mas o que é óbvio para o nativo não é necessariamente óbvio para o viajante, e aprender a decodificar o novo óbvio pode ser muito divertido.

Por exemplo, enquanto eu passeava por Tokyo, consegui solucionar uma dúvida que sempre tive: por que raios os pokémons são guardados em pokébolas? Isso sempre me pareceu muito arbitrário! Não seria melhor uma poké-caixinha de transporte ou algo assim?

Pikachu, eu escolho você!

O segredo todo estava no conceito que chamei de coleção aleatória. Por exemplo: no Brasil, as crianças costumam comprar álbuns de figurinhas. Para preencher o álbum, você compra saquinhos lacrados com os cromos. Do ponto de vista do mercado, faz sentido isso? Por que o cliente iria gastar o dinheiro dele num saquinho lacrado, sem saber o que tem dentro, e correndo o risco de só ter figurinhas repetidas?

A resposta, é claro, é que a graça das figurinhas é poder trocar com os amigos. Álbuns de figurinhas só tem graça num contexto social onde você pode interagir para completar sua coleção. Nesse caso, se vierem figurinhas repetidas, tanto melhor, você as usa pra trocar com os manos por uma que você ainda não tem.

No Japão também existem figurinhas, mas não são a única coleção aleatória que eles tem. Por lá, tem outra coisa que você pode comprar: bolinhas de colecionador.

As máquinas de bolinhas em Akihabara

Em qualquer lugar onde há crianças em Tokyo, você vai ver uma máquina de bolinhas. Você insere algumas moedas (em geral de 100 a 400 yen), gira uma alavanca e cai uma bolinha aleatória da máquina. Dentro da bolinha vem um brinquedo, como se fosse um Kinder Ovo sem o chocolate.

Na frente da máquina de bolinhas, tem a descrição da coleção. Eu vi de tudo nessas máquinas, desde miniaturas de animes como One Piece e Evangelion, séries clássicas como Ultraman e Kamen Rider, até coisas mais bizarras como iscas de pesca de pelúcia, ou esculturas gregas com kimonos.

As crianças de lá compram as bolinhas como as nossas compram figurinhas. Se vier uma bolinha repetida, você troca com o amigo; e quem tem uma coleção completa ganha status com o grupo.

Sabendo da existência das bolinhas de colecionador, as Pokébolas fazem todo o sentido. Se você for um designer de um universo onde crianças colecionam e trocam monstrinhos, onde você guardaria esses monstrinhos? Em uma bola, é óbvio!

Brinquedo aleatório, eu escolho você!

Eu nem sei dizer se foi proposital, a idéia pode ter vindo subconscientemente para o escritor. Mas o signo é tão forte que até o tamanho das Pokébolas bate com as bolinhas da máquina!